quinta-feira, outubro 11, 2007

II - A Casa dos Correias da Rua Chã

Ali no topo da Rua Escura, já na Rua Chã e quase há ilharga da Sé, ergue-se ainda uma casa de nobre aspecto, severa fachada setecentista, com seu brasão de armas. Era a antiga morada de uma das principais famílias do velho Porto: Os Correia Pinto de Azevedo Montenegro.
Foi esta casa edificada talvez nos últimos anos do século XV por Afonso Tomé, Prebendeiro do Cabido (1473), juiz e vereador em 1484 e em 1519, provedor do Hospital Rocamador (1498) e um dos cidadãos mais honrados do burgo. Dele exitem muitas memórias que mostram bem o prestígio de que gozou em seu tempo. Foi, com Lopo Rebelo, Zuzarte Lobo, Vasco Carneiro e Diogo Leite, avaliador das Hortas da Cividade, onde D. Manuel determinara edificar o Mosteiro de S. Bento da Avé-Maria; na Torre do Tombo guarda-se ainda uma carta sua, datada de 16 de Maio de 1515, e dirigida a El-Rei, sobre uma demanda com as freiras de Stª. Clara de Vila do Conde. Interveio em todos os negócios importantes do Porto, durante a sua estirada vila.
As casas que fez na Rua Chã, onde viveu, quis que ficassem para todo o sempre, e assim, por escritura de 28 de Março de 1528 com sua mulher Inês Correia, instituiu delas vínculo, com capela de missas, e nobre sepultura na Sé, junto a Nossa Senhora da Silva. Do seu tempo resta, no edifício, sem dúvida, a fachada há poucos anos posta a descoberto, onde se rasgam janelas e uma porta ogivais.
Nos seus descendentes continuou a casa e morgado até ao século XVIII, extinguindo-se então a linha da primogenitura pela morte sem descendência dos filhos de Paulo Correia Pinto de Azevedo e de sua mulher D. Antónia Josefa Vieira de Vasconcelos. Nessa ocasião, os bens livres ficaram aos Carneiros de Vasconcelos e Meneses, da Casa da Quintã, em Soalhães, e no morgado sucederam uns parentes remotos, os Pinto de Miranda Montenegro, da Casa da Boavista, em Sobrado de Paiva, e Quinta das Sete Capelas, em Valbom (Gondomar), posteriormente condes de Castelo de Paiva.
Descendiam estes também do fundador da casa, por via de seu bisneto Miguel Correia Pinto, de quem se conta que não sabia ler nem escrever, e que fizera seu testamento nestes smples termos:
«Deixo a minha alma a Deus, o meu corpo à terra, e o meu dinheiro ao meu filho Sebastião».
Em poucas palavras disse tudo.
Dizem-nos que velha casa das Rua das Chã, tão curiosa na sua arquitectura, tão cheia de recordações do velho Porto, vai desaparecer.
Não acreditamos, não é possível que ela tenha o mesmo destino da Casa de Fábrica, há pouco ainda sacrificada, infelizmente, ao capricho e aos interesses de alguém.
O Porto não é cidade tão rica de monumentos que possa continuar no caminho de destruição dos poucos padrões do passado que lhe restam. É tempo de olhar pela conservação deste património, que não só honra, mas imprime ainda ao Porto o seu tão característico aspecto, que o distingue das demais terras de Portugal.
Convençamo-nos: ninguém vem aqui para ver o edifício mostrengo da Avenida dos Aliados, ou o barrigudo arranha-céus do Bonjardim...
Fala-se muito na próxima criação de um Museu da Cidade.
A nossa opinião nada vale, a nossa voz é muito fraca para ser ouvida pelas altas esferas onde as coisas se resolvem. Mas ali, na velha casa da Rua Chã, quase à ilharga da Catedral, ficava bem o Museu da Cidade.

Fonte: «Notícias do Velho Porto» de Eugénio de Andrea da Cunha e Freitas

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