quarta-feira, outubro 31, 2007

VIII - Ainda a Rua de Belomonte


"Continuemos a subir a Rua de Belomonte. A 11ª. morada de casas, da parte do rio, edificada em chão que os dominicanos aforaram, em 18 de Abril de 1516, a Aires Pinto, que este, por sua vez vendeu, em escritura de 28 de Maio de 1528, nas notas do Tabelião Brás Francisco, ao Mestre João da Paz. Estranha e misteriosa a personalidade deste judeu controverso, ligado, por si e pelos seus, à história do último quartel do séc. XV e primeira metade do seguinte. Físico na corte de D. João II, acusam-no alguns de ter propinado ao monarca o veneno que lhe teria causado a morte; D. Manuel protege-o, é seu padrinho de baptismo, concede-lhe brasões e foros de nobreza.
Rico, mestre João vem viver para o Porto e nesse chão que comprou a Aires Pinto manda edificar as casas em que deseja viver e morrer - «umas casas grandes Torres, ameadas por cima, com seu quintal para trás e seu vão entre estas Torres e as casas que ficam atrás, com uma janela de grade para a rua...»
Mestre João e sua mulher, Mécia de Paz, fizeram testamento de mão comum em 6 de Abril de 1536 instituindo morgado e capela na crasta de S. Francisco. Deixaram vários filhos, de entre os quais Diogo de Paz, o primogénito, e Duarte de Paz, tristemente célebre agente de D. João III em Roma, nos negócios da Inquisição.
Diogo de Paz sucedeu na casa e morgado de seus pais, foi Feitor da Alfândega do Porto (1531), Recebedor do Almoxarifado (1516~18) e da Sisa dos Passos desta cidade (1515~18), cidadão do Porto, cavaleiro fidalgo da casa de El~Rei.
Viveu nas casas nobres da Rua de Belomonte, com sua mulher, Ana Manrique, e lá morreu no ano 1558, deixando por herdeiro seu genro, António Leite Carneiro, da Casa de Ramalde.
Como foreiras que eram ao Mosteiro de S. Domingos, as casas de mestre João não podiam ser vinculadas sem expressa autorização dos frades. Por isso foram, segundo cremos, declaradas livres por provisão régia (em 1629?), e os Leites de Ramalde venderam-nas. Vieram á posse dos Pachecos Pereiras, juízes da Alfândega do Porto, descendentes de uma opulenta família de mercadores do velho burgo. Foram estes que, no século XVIII, mandaram construir a formosa casa nobre, hoje infelizmente desvirtuada, mas ainda um belo exemplar da arquitectura setecentista. Alienada pelos seus antigos senhores, arrancaram~lhe a pedra de armas que foi substituida pelo horrível emblema de não sabemos que companhia de seguros.
As duas casas que na mesma Rua de Belomonte se seguiam ao palácio dos Pachecos, foram também edificadas em chãos aforados por S. Domingos, um deles a Frei Lopo, Tesoureiro de Leça, em 31 de Janeiro de 1503; a outra pertenceu a João Dias, cavalhariço dos Infantes de Castela, e mulher, Joana Serrã.
Ainda na mesma rua, acima do Padrão, numas outras casas, instituiu capela João Rebelo Pegas, cavalheiro seiscentista que fazia versos em extremo ridículos e tinha grandes propásias de literato. Intitulou um dos seus livros, que cremos não chegou a ver a luz do dia, Política Amorosa em Frase Culta: saiu~lhe o Dr. João Sucarello Claramonte, satirizando a obrinha no soneto que começa:

Esta vil polução do entendimento,
Política amorosa em frase culta,
Em que o Destino avaro hoje tumulta,
Por obra, por palavra e pensamento
.................................
.................................

Ó Pegas! Pego, inundação, tormento
Aonde deu à costa infaustamente,
Essa alma bruta que teu corpo alenta
..................................
etc.


A casa deste João Rebelo Pegas pertencia, no século seguinte, à família Matos Corveira."

Fonte: Eugénio de Andrea da Cunha e Freitas "Notícias do velho Porto"

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